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quarta-feira, 29 de janeiro de 2014

MATEMÁTICA: NÚMERO E SISTEMA DE NUMERAÇÃO

Por meio do uso social da matemática, acreditamos que possamos encorajar as crianças a explorar ideias matemáticas que envolvam noções de número, geometria, estatística e medidas.
Nosso papel é favorecer que as crianças se relacionem com a matemática de maneira curiosa, percebendo-a no contexto real e descobrindo que os conceitos matemáticos que constrói decorrem da atividade humana no próprio cotidiano.
Assim, como ocorre na linguagem oral, as crianças, desde cedo, inseridas no contexto social, criam hipóteses e elaboram conhecimentos acerca dos sistemas de representação da área matemática. Cabe à escola oportunizar situações de aprendizagem que ampliem esses conhecimentos e que favoreçam novos conhecimentos.
A área de conhecimento matemático no Referencial Curricular Nacional para a Educação Infantil – RCNEI – está dividida em três grandes blocos de conteúdos – Número e Sistema de Numeração, Espaço e Forma, Grandezas e Medidas. Nesta aula, discutiremos sobre número e sistema de numeração.
Para começar, a primeira pergunta que surge é: como a criança constrói o conceito de número?
A criança constrói o conceito de número e outras noções matemáticas a partir de sua interação com o meio e das experiências vividas.
Conservar o número

Muitas crianças de 4 anos podem enfileirar tantos pedaços de isopor/cartolina quantos os que a professora colocou em uma fileira. Contudo, quando seu conjunto está espalhado como se vê no Figura 01, muitas delas acreditam que então elas têm mais do que a professora.
fig.1

Materiais: 20 fichas vermelhas e 20 fichas azuis
A professora dispõe uma fileira de aproximadamente 8 fichas azuis e pede à criança para colocar o mesmo número de suas fichas vermelhas dizendo: “Coloque tantas fichas vermelhas quanto eu coloquei de azuis... (exatamente o mesmo número, tantas quantas, nem mais, nem menos).
fig.2

Conexidade
Embora a estrutura mental de número esteja bastante bem formada (após experimentos com os Quadros 1 e 2) em torno dos 5 para os 6 anos, possibilitando à maioria das crianças a conservação do número elementar, ela não está suficientemente estruturada antes dos 7 anos e meio de idade para permitir que a criança entenda que todos os números consecutivos estão conectados pela operação de “+ 1”.
Apresentamos 9 cubos a uma criança, como se vê no lado A do Quadro 3 (a). Colocamos outros 30 blocos distribuídos sobre uma régua, em fila, e deixamos cair um de cada vez para começar o arranjo linear marcado como B.
A tarefa torna-se ligeiramente mais difícil quando se passa a usar um grande número de continhas de vidro de 3 mm de diâmetro. Apresentamos à criança um frasco contendo de 50 a 70 contas. Então, de dentro de um pedaço de papel dobrado como se vê no Quadro 3 (b), deixamos cair uma conta de cada vez em outro frasco.
 fig.3

Saiba mais: KAMII, Constance. A criança e o número: implicações educacionais da teoria de Piaget para a atuação com escolares de 4 a 6 anos. Campinas: Papirus, 1990.
A natureza do número
Piaget estabeleceu uma distinção fundamental entre três tipos de conhecimento considerando suas fontes básicas e seu modo de estruturação: conhecimento físico, conhecimento lógico-matemático e conhecimento social (convencional).
Vamos explicar melhor cada um dos conhecimentos!
O conhecimento físico é o das características do objeto (cor, forma, espessura, textura, tamanho, flexibilidade etc.). Essas características se encontram no próprio objeto. Portanto, a criança só adquire esse conhecimento por meio de sua ação sobre os objetos, explorando, observando, manipulando, empurrando etc.
Assim podemos dizer que o conhecimento físico é externo ao indivíduo, é adquirido a partir da relação do indivíduo com o objeto e suas características, que estão no próprio objeto.
Já o conhecimento lógico-matemático se refere às relações criadas pelo indivíduo entre os objetos. Por exemplo, quando comparamos duas bolas de tamanhos diferentes, estabelecemos uma relação entre elas: uma bola pode ser maior ou menor que a outra. A diferença que existe entre elas não se encontra nem em uma nem em outra, mas sim na relação que criamos entre elas.
Assim, podemos dizer que o conhecimento lógico-matemático é interno, construído pela criança na relação estabelecida por ela entre os objetos. Não identificamos características que estejam nos objetos, mas sim no próprio pensamento do indivíduo.
Portanto, a fonte de conhecimento sobre o conceito de número se encontra no pensamento do indivíduo e não nos objetos a serem contados. Exemplo: se falamos que há cinco bananas em uma fruteira, o “cinco” não está em nenhuma das outras, mas é uma relação que estabelecemos mentalmente entre elas.
Mas para construir esse conceito será necessário estabelecer algumas relações entre os objetos. O terceiro conhecimento é o social, que também é externo ao indivíduo. Como exemplo poderia ser citado o nome e a escrita dos numerais.
Esse conhecimento é adquirido por meio da transmissão social. São valores, normas sociais, regras, nomes das pessoas e objetos que o indivíduo precisa saber para se integrar ao meio em que vive. São estabelecidos arbitrariamente. Por exemplo, não há uma razão lógica para se chamar o lugar em que comemos de “mesa” ou o lugar onde sentamos de “cadeira”, ou usarmos a palavra “dois” para representar uma determinada quantidade. Sua arbitrariedade é confirmada quando constatamos que em outras línguas esses mesmos conceitos têm outras palavras para representá-los.
Assim, o conhecimento social é um que precisa ser “ensinado”, ou seja, os adultos e os professores precisam fornecer essas informações às crianças.
No caso do nome e da escrita dos numerais, o professor deve fornecer essas informações por meio de atividades contextualizadas e significativas. Entretanto, levar a criança apenas a memorizar o nome e a escrita dos numerais não vai levá-la a construir esse conceito.
Para construir o conceito de número, a criança precisa estabelecer algumas outras relações entre os objetos, como a de ordem. Isso significa que ela deve perceber que cada objeto só será contado uma vez, que um objeto entre outros já foi contado e passa a pertencer ao grupo dos já contados. Para fazer isso, ela tem que sentir a necessidade de colocá-los em ordem.
A relação de ordem não se limita a colocar os objetos “em ordem” espacialmente, ela deve ordenar mentalmente os objetos, cada um só será contado uma vez.
Um avanço da contagem que as crianças pequenas fazem é contar por “recitação”, ou seja, aprendem os nomes dos objetos e vão falando-os indistintamente, sem estabelecer relações com os objetos e sua quantidade. Depois estabelecem uma relação com os objetos, mas não separam o que foi contado, ou seja, podem contar várias vezes o mesmo objeto e não se dão conta disso. Em seguida,       percebem que cada objeto só deve ser contado uma vez, ou seja, estabelecem uma relação de ordem.
Estabelecer uma relação de ordem ainda não é suficiente; quando estamos falando dessa quantificação, outra relação precisa ser estabelecida: a inclusão hierárquica de classes. O que isso significa?
Significa que cada objeto contado inclui o objeto que o precede na proporção + 1. Por exemplo: quando a criança conta 7 objetos, ela vai incluindo mentalmente: 1 em 2, 2 em 3, 3 em 4, 4 em 5, 5 em 6...
Portanto, para construir o conceito de número, a criança precisa fazer a síntese entre dois tipos de relação: a ordem e a inclusão hierárquica de classes.
Mas como o professor deve trabalhar na educação de modo que ajude a criança a construir esse conceito? Existem várias maneiras de se fazer isso. Destacaremos algumas situações:
1.    Organizando situações e atividades que façam as crianças pensarem e ordenarem várias relações, como comparar, separar e ordenar os objetos.
Por exemplo, em atividades cotidianas, a organização da sala e guarda de seus pertences, solicitando a elas que separem os objetos pela cor, tamanho etc.
Mas, principalmente, nos trabalhos com jogos (que são ricos aliados dos professores), construção com sucatas etc., que desafiem as crianças a fazer agrupamentos com critérios próprios e depois digam quais foram esses critérios, ordenando de alguma forma os objetos e explicando posteriormente sua ação.
2.            Estimulando a criança a pensar quantitativamente sobre os objetos e situações que sejam significativas para elas.
Por exemplo, o professor solicita que uma criança pegue caixas de lápis de cor e distribua uma para cada mesinha. O fato de o professor não dizer a quantidade de caixas que a criança precisará faz com que ela tenha que pensar quantos são os grupos e quantas caixas ela necessita ou, em outras palavras, estará encorajando a criança a pensar logicamente, comparando os conjuntos (caixas e grupos de crianças) e decidindo qual o melhor caminho para resolver esse problema.
3.            Considerando o pensamento das crianças: o quê e por quê elas pensam sobre determinada situação. O “erro” da criança demonstra a sua maneira de pensar naquele momento. Assim, o professor não irá corrigir a criança, mas descobrir o porquê de seu raciocínio. Só assim ele poderá intervir adequadamente, contribuindo para que a criança evolua na sua forma de pensar.
Saiba mais: Brasil. Referencial Curricular Nacional para a Educação Infantil. v. III, pp. 215-25.
Outra maneira seria as crianças trabalharem em grupos, aprenderem a trocar ideias e a respeitar os outros. Os jogos também são excelentes recursos, pois proporcionam boas oportunidades de confronto com outras crianças.
Jogos e brincadeiras
Jogo de trilha ou percurso com números, boliche com a contagem e registro dos pinos derrubados, amarelinha, pular corda com ladainha etc.
A autonomia reflete o ato de ser governado por si mesmo. É o contrário de heteronomia, que significa ser governado por outra pessoa.
Algumas crianças da primeira ou segunda série do Ensino Fundamental I acreditam honestamente que 5 + 5 = 10, mas outras apenas recitam esses números porque alguém lhes disse para fazer assim. A autonomia como finalidade de educação requer que as crianças não sejam levadas a dizer coisas nas quais não acreditem com sinceridade.
Para Kamii:
“O foco do professor deve estar localizado no pensamento que se desenvolve na cabeça da criança, quando ela tenta conseguir um número de xícaras suficiente para todos, ou dois gomos de laranja para cada um em sua mesa [...] as pesquisas mostram que o meio ambiente pode agilizar ou retardar o desenvolvimento lógico-matemático.”(1990, p. 38)

Dado que a noção de número só pode emergir a partir da atividade de colocar todos os tipos de coisas em todos os tipos de relações, daí decorre que o primeiro princípio de ensino é o de atribuir importância ao fato de encorajar as crianças a estarem alertas e a colocarem todas as espécies de objetos, eventos e ações em todos os tipos de relações.
A representação com signos é superenfatizada na educação inicial e Kamii (1990) prefere colocá-las em segundo plano. Muito frequentemente os professores ensinam as crianças a contar, ler e escrever numerais acreditando que assim estão ensinando conceitos numéricos. É bom para a criança aprender a contar, ler e escrever numerais, mas é muito mais importante que ela construa a estrutura mental do número.
Se a criança tiver construído essa estrutura terá maior facilidade para assimilar os signos a ela. Se não a construiu, toda a contagem, leitura e escrita será feita de memória/decorando.
O professor deve conhecer a diferença entre contar de memória e contar com significado numérico. Este último só pode ser proveniente da estrutura lógico-matemática construída pela criança em sua cabeça. Embora devam existir números falados e escritos no meio ambiente para que a criança possa interessar-se por eles, compreendê-los só pode ser decorrência da estrutura mental que ela constrói a partir de seu interior.
Referência
BRASIL. Referencial Curricular Nacional para a Educação Infantil. Brasília: MEC/SEF, 1998.
KAMII, Constance. A criança e o número: implicações educacionais da teoria de Piaget para a atuação com escolares de 4 a 6 anos. Campinas: Papirus, 1990.