Por
meio do uso social da matemática, acreditamos que possamos encorajar as
crianças a explorar ideias matemáticas que envolvam noções de número,
geometria, estatística e medidas.
Nosso
papel é favorecer que as crianças se relacionem com a matemática de maneira
curiosa, percebendo-a no contexto real e descobrindo que os conceitos
matemáticos que constrói decorrem da atividade humana no próprio cotidiano.
Assim,
como ocorre na linguagem oral, as crianças, desde cedo, inseridas no contexto
social, criam hipóteses e elaboram conhecimentos acerca dos sistemas de
representação da área matemática. Cabe à escola oportunizar situações de
aprendizagem que ampliem esses conhecimentos e que favoreçam novos
conhecimentos.
A
área de conhecimento matemático no Referencial Curricular Nacional para a
Educação Infantil – RCNEI – está dividida em três grandes blocos de conteúdos –
Número e Sistema de Numeração, Espaço e Forma, Grandezas e Medidas. Nesta aula,
discutiremos sobre número e sistema de numeração.
Para
começar, a primeira pergunta que surge é: como a criança constrói o conceito de
número?
A
criança constrói o conceito de número e outras noções matemáticas a partir de
sua interação com o meio e das experiências vividas.
Conservar o número
Muitas crianças de
4 anos podem enfileirar tantos pedaços de isopor/cartolina quantos os que a
professora colocou em uma fileira. Contudo, quando seu conjunto está espalhado
como se vê no Figura 01, muitas delas acreditam que então elas têm
mais do que a professora.
Materiais: 20 fichas vermelhas e 20 fichas
azuis
A
professora dispõe uma fileira de aproximadamente 8 fichas azuis e pede à
criança para colocar o mesmo número de suas fichas vermelhas dizendo: “Coloque
tantas fichas vermelhas quanto eu coloquei de azuis... (exatamente o mesmo
número, tantas quantas, nem mais, nem menos).
Conexidade
Embora a estrutura
mental de número esteja bastante bem formada (após experimentos com os Quadros
1 e 2) em torno dos 5 para os 6 anos, possibilitando à maioria das crianças a
conservação do número elementar, ela não está suficientemente estruturada antes
dos 7 anos e meio de idade para permitir que a criança entenda que todos os
números consecutivos estão conectados pela operação de “+ 1”.
Apresentamos
9 cubos a uma criança, como se vê no lado A do Quadro 3 (a). Colocamos outros
30 blocos distribuídos sobre uma régua, em fila, e deixamos cair um de cada vez
para começar o arranjo linear marcado como B.
A
tarefa torna-se ligeiramente mais difícil quando se passa a usar um grande
número de continhas de vidro de 3 mm de diâmetro. Apresentamos à criança um
frasco contendo de 50 a 70 contas. Então, de dentro de um pedaço de papel
dobrado como se vê no Quadro 3 (b), deixamos cair uma conta de cada vez em
outro frasco.
Saiba mais: KAMII, Constance. A criança e o
número: implicações educacionais da teoria de Piaget para a atuação com
escolares de 4 a 6 anos. Campinas: Papirus, 1990.
A natureza do número
Piaget estabeleceu
uma distinção fundamental entre três tipos de conhecimento considerando suas
fontes básicas e seu modo de estruturação: conhecimento físico, conhecimento
lógico-matemático e conhecimento social (convencional).
Vamos explicar melhor cada um
dos conhecimentos!
O conhecimento físico é o das
características do objeto (cor, forma, espessura, textura, tamanho,
flexibilidade etc.). Essas características se encontram no próprio objeto.
Portanto, a criança só adquire esse conhecimento por meio de sua ação sobre os
objetos, explorando, observando, manipulando, empurrando etc.
Assim podemos dizer que o
conhecimento físico é externo ao indivíduo, é adquirido a partir da relação do
indivíduo com o objeto e suas características, que estão no próprio objeto.
Já o
conhecimento lógico-matemático se refere às relações criadas pelo indivíduo
entre os objetos. Por exemplo, quando comparamos duas bolas de tamanhos
diferentes, estabelecemos uma relação entre elas: uma bola pode ser maior ou
menor que a outra. A diferença que existe entre elas não se encontra nem em uma
nem em outra, mas sim na relação que criamos entre elas.
Assim,
podemos dizer que o conhecimento lógico-matemático é interno, construído pela
criança na relação estabelecida por ela entre os objetos. Não identificamos
características que estejam nos objetos, mas sim no próprio pensamento do
indivíduo.
Portanto,
a fonte de conhecimento sobre o conceito de número se encontra no pensamento do
indivíduo e não nos objetos a serem contados. Exemplo: se falamos que há cinco
bananas em uma fruteira, o “cinco” não está em nenhuma das outras, mas é uma
relação que estabelecemos mentalmente entre elas.
Mas
para construir esse conceito será necessário estabelecer algumas relações entre
os objetos. O terceiro conhecimento é o social, que também é externo ao
indivíduo. Como exemplo poderia ser citado o nome e a escrita dos numerais.
Esse
conhecimento é adquirido por meio da transmissão social. São valores, normas
sociais, regras, nomes das pessoas e objetos que o indivíduo precisa saber para
se integrar ao meio em que vive. São estabelecidos arbitrariamente. Por
exemplo, não há uma razão lógica para se chamar o lugar em que comemos de
“mesa” ou o lugar onde sentamos de “cadeira”, ou usarmos a palavra “dois” para
representar uma determinada quantidade. Sua arbitrariedade é confirmada quando
constatamos que em outras línguas esses mesmos conceitos têm outras palavras
para representá-los.
Assim,
o conhecimento social é um que precisa ser “ensinado”, ou seja, os adultos e os
professores precisam fornecer essas informações às crianças.
No
caso do nome e da escrita dos numerais, o professor deve fornecer essas
informações por meio de atividades contextualizadas e significativas.
Entretanto, levar a criança apenas a memorizar o nome e a escrita dos numerais
não vai levá-la a construir esse conceito.
Para construir o conceito de
número, a criança precisa estabelecer algumas outras relações entre os objetos,
como a de ordem. Isso significa que ela deve perceber que cada objeto só será
contado uma vez, que um objeto entre outros já foi contado e passa a pertencer
ao grupo dos já contados. Para fazer isso, ela tem que sentir a necessidade de
colocá-los em ordem.
A relação de ordem não se
limita a colocar os objetos “em ordem” espacialmente, ela deve ordenar
mentalmente os objetos, cada um só será contado uma vez.
Um avanço da contagem que as
crianças pequenas fazem é contar por “recitação”, ou seja, aprendem os nomes
dos objetos e vão falando-os indistintamente, sem estabelecer relações com os
objetos e sua quantidade. Depois estabelecem uma relação com os objetos, mas
não separam o que foi contado, ou seja, podem contar várias vezes o mesmo
objeto e não se dão conta disso. Em seguida,
percebem que cada objeto só deve ser contado uma vez, ou seja, estabelecem uma
relação de ordem.
Estabelecer uma relação de
ordem ainda não é suficiente; quando estamos falando dessa quantificação, outra
relação precisa ser estabelecida: a inclusão hierárquica de classes. O que isso
significa?
Significa que cada objeto
contado inclui o objeto que o precede na proporção + 1. Por exemplo: quando a
criança conta 7 objetos, ela vai incluindo mentalmente: 1 em 2, 2 em 3, 3 em 4,
4 em 5, 5 em 6...
Portanto, para construir o
conceito de número, a criança precisa fazer a síntese entre dois tipos de
relação: a ordem e a inclusão hierárquica de classes.
Mas como o professor deve
trabalhar na educação de modo que ajude a criança a construir esse conceito?
Existem várias maneiras de se fazer isso. Destacaremos algumas situações:
1.
Organizando
situações e atividades que façam as crianças pensarem e ordenarem várias
relações, como comparar, separar e ordenar os objetos.
Por exemplo, em atividades
cotidianas, a organização da sala e guarda de seus pertences, solicitando a
elas que separem os objetos pela cor, tamanho etc.
Mas, principalmente, nos
trabalhos com jogos (que são ricos aliados dos professores), construção com
sucatas etc., que desafiem as crianças a fazer agrupamentos com critérios
próprios e depois digam quais foram esses critérios, ordenando de alguma forma os
objetos e explicando posteriormente sua ação.
2.
Estimulando a
criança a pensar quantitativamente sobre os objetos e situações que sejam
significativas para elas.
Por exemplo, o professor
solicita que uma criança pegue caixas de lápis de cor e distribua uma para cada
mesinha. O fato de o professor não dizer a quantidade de caixas que a criança
precisará faz com que ela tenha que pensar quantos são os grupos e quantas
caixas ela necessita ou, em outras palavras, estará encorajando a criança a
pensar logicamente, comparando os conjuntos (caixas e grupos de crianças) e
decidindo qual o melhor caminho para resolver esse problema.
3.
Considerando o
pensamento das crianças: o quê e por quê elas pensam sobre determinada
situação. O “erro” da criança demonstra a sua maneira de pensar naquele
momento. Assim, o professor não irá corrigir a criança, mas descobrir o porquê
de seu raciocínio. Só assim ele poderá intervir adequadamente, contribuindo
para que a criança evolua na sua forma de pensar.
Saiba mais: Brasil. Referencial Curricular Nacional para a Educação
Infantil. v. III, pp. 215-25.
Outra maneira seria as
crianças trabalharem em grupos, aprenderem a trocar ideias e a respeitar os
outros. Os jogos também são excelentes recursos, pois proporcionam boas
oportunidades de confronto com outras crianças.
Jogos e
brincadeiras
Jogo de trilha ou percurso com números, boliche com a contagem e registro
dos pinos derrubados, amarelinha, pular corda com ladainha etc.
A autonomia
reflete o ato de ser governado por si mesmo. É o contrário de heteronomia, que
significa ser governado por outra pessoa.
Algumas crianças da primeira
ou segunda série do Ensino Fundamental I acreditam honestamente que 5 + 5 = 10,
mas outras apenas recitam esses números porque alguém lhes disse para fazer
assim. A autonomia como finalidade de educação requer que as crianças não sejam
levadas a dizer coisas nas quais não acreditem com sinceridade.
Para Kamii:
“O foco do
professor deve estar localizado no pensamento que se desenvolve na cabeça da
criança, quando ela tenta conseguir um número de xícaras suficiente para todos,
ou dois gomos de laranja para cada um em sua mesa [...] as pesquisas mostram
que o meio ambiente pode agilizar ou retardar o desenvolvimento
lógico-matemático.”(1990, p. 38)
Dado que a noção
de número só pode emergir a partir da atividade de colocar todos os tipos de
coisas em todos os tipos de relações, daí decorre que o primeiro princípio de
ensino é o de atribuir importância ao fato de encorajar as crianças a estarem
alertas e a colocarem todas as espécies de objetos, eventos e ações em todos os
tipos de relações.
A representação com signos é
superenfatizada na educação inicial e Kamii (1990) prefere colocá-las em
segundo plano. Muito frequentemente os professores ensinam as crianças a
contar, ler e escrever numerais acreditando que assim estão ensinando conceitos
numéricos. É bom para a criança aprender a contar, ler e escrever numerais, mas
é muito mais importante que ela construa a estrutura mental do número.
Se a criança tiver
construído essa estrutura terá maior facilidade para assimilar os signos a ela.
Se não a construiu, toda a contagem, leitura e escrita será feita de
memória/decorando.
O professor deve conhecer a
diferença entre contar de memória e contar com significado numérico. Este
último só pode ser proveniente da estrutura lógico-matemática construída pela
criança em sua cabeça. Embora devam existir números falados e escritos no meio
ambiente para que a criança possa interessar-se por eles, compreendê-los só
pode ser decorrência da estrutura mental que ela constrói a partir de seu
interior.
Referência
BRASIL. Referencial
Curricular Nacional para a Educação Infantil. Brasília: MEC/SEF, 1998.
KAMII, Constance. A
criança e o número: implicações educacionais da teoria de Piaget para a
atuação com escolares de 4 a 6 anos. Campinas: Papirus, 1990.