“Os verdadeiros analfabetos são os que aprenderam a ler e não leem”
Mário Quintana
Será que o
objeto de leitura, hoje, na escola cumpre essa função? Ou será que, ao
contrário, os textos escolares têm afastado o aluno dessa fonte de prazer e
conhecimento ao longo das últimas cinco décadas?
Recentemente
é que ouvimos falar no trabalho com diferentes gêneros textuais, mas o que mais
se viu nos últimos trinta anos foram textos fragmentados, didatizados,
moralizantes, para ensinar hábitos de higiene ou comportamentais, assim como
também, na sua maioria, tomados como pretextos para a sistematização de
conteúdos gramaticais ou ortográficos.
Como então
conquistar o aluno para a leitura utilizando-se desses artifícios? Como provar
para o recém-letrado que o ato de ler pode trazer algum tipo de satisfação, se
só lhe é colocado à disposição textos que falam sobre obediência ou obrigações?
Inicie
uma leitura complementar referente à festa das letras.
Assim podemos trabalhar
Esta classe é bem ordeira
E nem tente duvidar
A mão certa para escrever
E a outra prá apoiar.
Ficar reto na carteira
Pra coluna não vergar
Ganharemos a dianteira
E bons hábitos criar.
Baixinho podemos falar
Licença devemos pedir
E lembrar sempre da higiene
Na hora de dormir.
Escovar três vezes os dentes
Num só dia é sempre bom
Pois jamais estarão doentes
Será perfeita a dentição
O carinho com os colegas
E a boa educação
Não necessitam de regras
Basta ter bom coração
Respeitar o meio ambiente
As plantas e os animais
É um dever de toda a gente
Que quer vida e nada mais
Se o amor quiser por perto
Corte o mal pela raiz
Abra as portas pros bons
hábitos
E então será feliz!
Ou então,
com o intuito de se trabalhar determinadas palavras, o texto apresentado não
consegue transmitir nada, ou seja, não há conteúdo, como no exemplo do texto a
seguir:
Inicie uma leitura complementar referente à régua
do índio Guaraci.
- Que linda a régua do índio Guaraci!
- O Guaraci tem cor parda e vive de maneira
diferente.
- Ela também fala uma língua diferente da
nossa.
- Os índios moram em casa de palha?
- Sim. Eles caçam e pescam também.
- Vamos ver a régua do Guaraci de perto?
(Cartilha
A festa das letras)
Depois disso, o que a escola ainda
espera dos jovens é que gostem de ler!
Esse é um grande paradoxo, ou seja, a
instituição que deveria formar bons leitores acaba afastando-os da leitura,
graças à inconsistência dos textos trabalhados, e o resultado geração após
geração será o de não perceber na leitura a necessidade indispensável para a
sobrevivência do leitor competente.
Conscientizado dessa questão, cabe ao
professor predispor-se a formar futuros adultos com ânsia de conhecimentos,
sendo a prática pedagógica contemplativa da leitura a ponte mais rápida e
eficiente para isso. Caberá ainda ao professor mostrar aos alunos que a
atividade da leitura pode competir com outras de lazer, como TV, vídeos, games
etc. no mesmo nível de igualdade, por isso a insistência no trabalho de
sistematização dos conteúdos da Língua Portuguesa por meio de textos que
circulam na sociedade.
É o que propõe os PCN:
“Cabe a escola viabilizar o acesso do aluno ao
universo dos textos que circulam socialmente, ensinar a produzi-los e a
interpretá-los. Isso inclui os textos das diferentes disciplinas, com os quais
o aluno se defronta sistematicamente no cotidiano escolar e, mesmo assim, não
consegue manejar, pois não há um trabalho planejado com essa finalidade.
(1997, p. 30)”
Será por meio desses textos acompanhados de muita
reflexão que o professor irá desvelando a intenção de quem os produziu, ao
mesmo tempo em que se efetivará a aquisição de novas informações, bem como a
apropriação dos conteúdos linguísticos neles empregados.
Portanto, baseado em Cristóvão e Nascimento (2006, p. 46), ressaltando a
importância da utilização dos gêneros textuais:
“é papel da escola assumir-se enquanto espaço
oficial de intervenção para proporcionar ao aprendiz condições para que dominem
o funcionamento textual com vistas a sua inserção.”
Para falarmos então sobre a formação de bons
leitores, faz-se necessário discutirmos sobre a importância da leitura nesse
mundo de relações sociais tão complexas em que vivemos hoje.
O
número de informações e conhecimentos registrados por meio da escrita é tão
grande que, mesmo que passássemos vinte e quatro horas por dia lendo, não
conseguiríamos saber de tudo. Esse fato vem ilustrar a grandiosidade de
conhecimentos produzidos pelos seres humanos ao longo da existência humana que,
sem dúvida, ultrapassa o que dispomos em nosso insignificante universo
pessoal.
Por
um lado, seria impossível apropriar-nos de todos os dados sobre nossa realidade,
mas, por outro, seria inaceitável, reconhecendo o valor dessa elaboração,
ficarmos totalmente descompromissados desse processo. Ficarmos voluntariamente
alheios, fingindo desconhecer as questões fundamentais sobre nossa existência,
seria um ato ignorante.
Visto
por esse prisma, o ato de ler, assim como seu próprio papel, que é um dos
caminhos que temos para diminuir a ignorância, deveria ser encarado como algo
indispensável ao desenvolvimento individual e social de nossa cultura, e que
contribui para o aprimoramento do intelecto do indivíduo.
As
funções cognitivas por ele exigidas e, por consequência, também desenvolvidas,
são exatamente aquelas que tornam o cérebro humano capaz de trabalhar com
elaborações mentais cada vez mais profundas e mais complexas.
Compreender
isso significa entender a leitura como algo muito maior do que a simples busca
de informações, que exige do indivíduo o uso de suas capacidades intelectuais
superiores, por exemplo, a atenção voluntária, que é a condição básica para
qualquer situação de aprendizagem.
O
poder de abstração e generalização é importante para que se efetive a interação
que a leitura de algo pressupõe, sem citar a necessidade da atribuição de
sentido, que é o resultado de leituras e conhecimentos adquiridos
anteriormente, pelo qual ocorre a ampliação do conhecimento, não somente por
meio do acúmulo das informações mas, sobretudo, pelo desenvolvimento da
capacidade mental.
Importante
observar que, ao mesmo tempo em que o ato de ler necessita do trabalho das
capacidades de abstração, generalização e inferência, também as solidifica e as
amplia, conferindo a quem as utiliza um teor maior de informações sobre o
mundo.
Dessa
forma, essa capacidade de estabelecer relações viabiliza a ampliação da visão
de mundo do educando para que ele compreenda a realidade na qual está inserido,
na qual nenhum agir é isolado.
Por esse ponto de vista, dada sua importância e
relevância, o ensino da leitura exige muito mais do que a escola vem
proporcionando até então.
Portanto,
o papel da escola na formação de bons leitores é fundamental e determinante,
pois é ela, representada pela figura do professor, a responsável pela
conscientização das crianças a respeito não só da importância da leitura para
inserção na sociedade, mas, principalmente, pelo desenvolvimento desse ato
intelectualizado que é a leitura.
Nas
palavras de Delia Lerner (2002, p. 29):
“O desafio que devemos enfrentar, nós, que estamos
comprometidos com a instituição escolar, é combater a discriminação desde o
interior da escola; é unir nossos esforços para alfabetizar todos os alunos,
para assegurar que todos tenham oportunidades de se apropriar da leitura e da
escrita como ferramentas essenciais de progresso cognoscitivo e de crescimento
pessoal.”
Referência
Brasil. Parâmetros Curriculares Nacionais – Língua
Portuguesa. Brasília: MEC/SEF, 1997.
CRISTÓVÃO,
V. L. L.; NASCIMENTO, E. L. “Gêneros textuais e ensino: contribuições do
interacionismo sócio-discursivo”. In:
KARWOSKI, A. M.; GAYDECZKA, B.; BRITO, K. S. (orgs.). Gêneros
textuais: reflexões e ensino. 2.ed. Rio de Janeiro: Lucerna, 2006.
LERNER,
Delia. Ler e escrever na escola: o real, o possível e o necessário. Rosa,
Ernani (trad.). Porto Alegre: Artmed, 2002.
MEIRELES,
Cecília; CASTRO, Josué de. A festa das letras. Rio de Janeiro: Nova Fronteira,
1999.